segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Objeto do Direito Administrativo

O objeto do Direito Administrativo envolve o estudo da atividade ou função administrativa exercida direta ou indiretamente, de sua estrutura, de seus bens, de seu pessoal e de sua finalidade.
Função administrativa é o dever do Estado atender ao interesse público, observando sempre os comandos legais.

Conceito de Direito Administrativo

O conceito e o conteúdo do Direito Administrativo variam conforme o critério adotado pelo doutrinador.
Existem uma série de teorias:
- legalista
- a do Poder Executivo;
- a do serviço público;
- a teleológica;
- a negativista.
Podemos definir o Direito Administrativo como o conjunto de princípios e normas jurídicas que dispõem sobre a atividade administrativa, as entidades, os órgãos e os agentes públicos, tendo como fim o atendimento das necessidades da sociedade e do Estado.

Direito Administrativo - Evolução

O Direito Administrativo começa a destacar-se como ramo jurídico de relevância à medida em que a sociedade opta por um controle mais efetivo e eficaz da Administração Pública, ou seja, do Estado, em todas as suas formas de manifestação.
Um exemplo disso é o avanço que o Direito Administrativo ganhou, após a democratização do Brasil, com a sua constituicionalização. Da mesma forma, a modernização do Estado desencadeia reflexos inexoráveis no mesmo.
Os autores indicam que os primeiros traços do Direito Administrativo surgem no século XVIII, por alguns fundamentos: a necessária obediência do Estado à legislação vigente, a constitucionalização do Estado e o seu desenvolvimento, decorrente da democratização.

Dos limites do poder-dever de autotutela da Administração Pública, conforme o caput do art. 54 da Lei nº 9.784/99.

O Supremo Tribunal Federal há muito editou as conhecidas Súmulas 346 e 473 que estipulam, respectivamente: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos” e “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Como lecionou o mestre Hely Lopes Meirelles, não se trata de um poder no sentido de faculdade, mas de um poder-dever.

O mestre José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, leciona que existem dois tipos de prazos que acarretam a prescrição administrativa: os prazos que têm previsão legal e os que não dispõem dessa previsão.
Conforme esclarece o referido professor, no que se refere aos prazos cuja fixação se encontra expressamente em lei, inexistem problemas, isto é, decorrido o prazo legal, está consumada de pleno direito a prescrição administrativa – ou decadência, se for o caso. Exemplifica o tema citando o art. 54, da Lei 9.874/99, que regula o processo administrativo na esfera federal. Nesse caso, a lei foi expressa: segundo dispositivo expresso, o direito da Administração de anular atos administrativos que tenham produzido efeitos favoráveis para os administrados decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, ressalvando-se apenas a hipótese de comprovada má-fé. Como esclarece o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, não se trata de um “não-exercício tempestivo de um meio, de uma via, previsto para defesa de um direito que se entenda ameaçado ou violado. Trata-se, pura e simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (não adjetiva) da Administração, isto é, de seu poder-dever; logo, o que estará em pauta, in casu, é o não-exercício, a bom tempo, do que corresponderia no Direito Privado, ao próprio exercício do direito. Donde, configura-se situação de decadência, antes que de prescrição, como já observara Weida Zancaner.”
Cuida-se, na espécie, de limitação ao poder de autotutela da Administração, agora convertida em direito positivo em nome do cada vez mais consolidado princípio da segurança jurídica e de seu corolário, o princípio da proteção à confiança. Como esclarece o citado professor Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da segurança jurídica é da própria “essência do Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo”.

Esclarece, ainda, que por força deste princípio, firmou-se o entendimento de que “orientações firmadas pela Administração em dada matéria não podem, sem prévia e pública notícia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que só se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia”.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO DIA-A-DIA DAS PESSOAS

O professor José dos Santos Carvalho Filho, no seu “Manual de Direito Administrativo” conceitua o processo administrativo como “o instrumento que formaliza a seqüência de atos e de atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração”. Ao tratar dos objetos específicos destes, o referido mestre assim os relaciona: de mera tramitação; de controle; punitivo; contratual; revisional e outorga de direitos.

Desse modo, como esclarece o professor, “os objetos específicos do processo administrativo são as providências que a Administração pretende adotar por meio do ato administrativo final”. Assim, caso a Administração deseje encaminhar contas dos administradores para controle financeiro interno ou do Tribunal de Contas, ele se utilizará de um processo administrativo, bem como quando desejar punir determinado servidor pela prática de um ato irregular.

O processo administrativo, portanto, reflete suas conseqüências no dia-a-dia das pessoas através das decisões que são tomadas nos mesmos, seja quando o cidadão está figurando como “parte” ou não do mesmo. Afinal, como observa o professor Emerson Gabardo, no seu livro “Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa”, o procedimento deixou de ser mera garantia de liberdade no século XX, através da crise liberal e das ameaças ao regime capitalista. “A partir deste momento, o Estado passa a intervir na sociedade de forma contundente, através de prestações positivas, tornando-se primeiro democrático, depois social. Nesta perspectiva, o procedimento torna-se um instrumento de garantia dos direitos fundamentais, rumo à realização dos outros dois ideais revolucionários: igualdade e fraternidade – pelo que, vem a receber o necessário tratamento constitucional”.

Nesse sentido, a publicidade, um dos princípios básicos da Administração, conforme dispõe a Constituição, art. 37, caput, reflete-se no poder de controle que o cidadão passa a ter e a desenvolver com o tempo. Desse modo, poderá recorrer à própria Administração, via processo administrativo, ou ao Judiciário para evitar danos ao erário público ou à moralidade pública, como prevê a Lei da Ação Popular.

Verifica-se, portanto, que o processo administrativo possui um papel fundamental, como mecanismo de efetivação da garantia, pois os cidadãos podem atuar de forma preventiva e repressiva através deste, em relação à Administração, controlando seus atos, questionando-os e garantindo que a mesma atue nos termos da lei e dos interesses públicos. Dessa forma, como ressalta Habermas, em seus livros Teoria do Agir Comunicativo e Direito e Democracia, o Estado se legitima, ao abrir espaço para essa troca com os cidadãos, de forma que legitima sua atuação somente quando há um efetivo intercâmbio e controle recíproco entre todos os atores, que devem possuir a sua disposição instrumentos para atuarem efetiva e eficazmente, contribuindo para o progresso da sociedade.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Limites da Discricionariedade das Decisões dos Agentes Públicos.

O professor José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual, nos esclarece que a moderna doutrina, sem exceção, tem consagrado a limitação ao poder discricionário, possibilitando maior controle do Judiciário sobre os atos que dele derivem.

Alguns fatores são exigidos para a legalidade do exercício do poder discricionário: adequação da conduta escolhida pelo agente à finalidade que a lei expressa e verificação dos motivos inspiradores da conduta.

O que é vedado ao Judiciário é a aferição dos critérios administrativos (conveniência e oportunidade) firmados em conformidade com os parâmetros legais.

A liberdade conferida ao administrador para a escolha dos critérios de conveniência e oportunidade não se coaduna com a atuação fora dos limites da lei. Se assim agir, o fará arbitrariamente, através de uma conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade. Neste ponto, como ressalta o referido professor, se situa a linha diferencial entre ambas: não há discricionariedade contra legem.

Por outro lado, todos os atos administrativos podem ser submetidos à apreciação judicial de sua legalidade, e esse é o natural corolário do princípio da legalidade. No que se refere aos atos discricionários, é importante distinguir dois aspectos. Podem eles sofrer controle judicial em relação a todos os elementos vinculados, ou seja, aqueles sobre os quais não tem o agente liberdade quanto á decisão a tomar. No entanto, o controle judicial não poderá chegar ao ponto do juiz substituir o administrador.

Conclui-se, assim, que o controle judicial alcançará todos os aspectos de legalidade dos atos administrativos, não podendo, todavia, estender-se à valoração da conduta que a lei conferiu ao administrador.

Atualmente, como esclarece ainda o citado mestre, os doutrinadores têm considerado os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como valores que podem ensejar o controle da discricionariedade, enfrentando situações que, embora com aparência de legalidade, retratam verdadeiro abuso de poder. Referido controle, entretanto, só pode ser exercido à luz da hipótese concreta, a fim de que seja verificado se a Administração portou-se com equilíbrio no que toca aos meios e fins da conduta, ou o fator objetivo de motivação não ofende algum outro princípio, como, por exemplo, o da igualdade, ou ainda se a conduta era realmente necessária e gravosa sem excesso.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A Teoria do Órgão

Primitivamente, entendia-se que os agentes eram mandatários do Estado (teoria do mandato), posteriormente passando-se a entendê-los como representantes deste (teoria da representação).

Atualmente, prevalece na doutrina brasileira o entedimento baseado na orientação do jurista alemão Otto Gierke, criador da teoria do órgão, pela qual a vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, sendo eles mesmos, os órgãos, compostos de agentes.

Essa doutrina, como esclarece o professor Guerra, citando Hely Lopes Meirelles, vê no órgão um feixe de atribuições, inconfundível com os agentes. Cada órgão, como centro de competências administrativas, tem necessariamente funções, cargos e agentes, mas é distinto desses elementos, que podem ser modificados, substituídos ou retirados sem supressão da unidade orgânica.

O professor José dos Santos Carvalho Filho, em seu “Manual de Direito Administrativo”, esclarece que a característica fundamental da teoria do órgão consiste no princípio da imputação volitiva, isto é, a vontade do órgão é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence. Há, pois, uma relação jurídica externa, entre a pessoa jurídica e outras pessoas, e uma relação interna, que vincula o órgão à pessoa jurídica a que pertence.

A teoria, portanto, esclarece o mestre, possui aplicação concreta na hipótese da chamada função de fato. Desde que a atividade provenha de um órgão, não tem relevância o fato de ter sido exercida por um agente que não tenha investidura legítima. Bastam a aparência da investidura e o exercício da atividade pelo órgão: nesse caso, os efeitos da conduta vão ser imputados à pessoa jurídica.

Sobre o tema, já teve a oportunidade de se pronunciar o STJ no REsp 480598 / RS, verbis: PROCESSO CIVIL - HONORÁRIOS - DEFENSORIA PÚBLICA. 1. Não se há de confundir órgão do Estado com o próprio o Estado, que se enfrentaram na ação, para efeito de suprimir-se a sucumbência. 2. Pela teoria do órgão examina-se de per si cada um deles para efeito do art. 20 do CPC, que impõe sucumbência a quem é vencido. 3. O Estatuto da OAB concede a todos os advogados, inclusive aos defensores públicos, o direito a honorários (art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/1994). 4. Recurso especial improvido.”

domingo, 13 de janeiro de 2008

TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES E POSSIBILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA IMPOR ATO ADMINISTRATIVO A TERCEIROS INDEPENDENTEMENTE DA CONCORDÂNCIA DO AF

A teoria dos motivos determinantes fundamenta-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade.

Os atos administrativos caracterizam-se, entre outros, pela imperatividade ou coercibilidade, significando que “são cogentes, obrigando a todos quantos se encontrem em seu círculo de incidência (ainda que o objetivo a ser por ele alcançado contrarie interesses privados), na verdade, o único alvo da Administração Pública é o interesse público”, conforme esclarece o prof. José dos Santos Carvalho Filho, no seu “Manual de Direito Administrativo”.

Por outro lado, os atos administrativos possuem ainda como características a presunção de legitimidade e a auto-executoriedade. Desse modo, verifica-se, a princípio que a Administração em regra tem o poder de impor o ato administrativo a terceiro independentemente da concordância do afetado.

No entanto, essa regra não é absoluta, pois, se os motivos determinadores e justificadores da realização dos atos devem possuir perfeita correspondência entre entres e a realidade, no momento em que essa combinação de fatores não se verificar, o ato estará inquinado de vício. Nessa circunstância, o particular poderá obter a tutela jurisdicional, ainda que o ato seja discricionário.

Conforme esclarece o citado mestre, a aplicação mais importante da teoria de origem francesa encontra-se justamente nos atos discricionários. Nesses, a motivação expressa não é necessária, de modo que, se existir, “passa a vincular o agente nos termos em que foi mencionada. Se o interessado comprovar que inexiste a realidade fática mencionada no ato como determinante da vontade, estará ele irremediavelmente inquinado de vício de legalidade”.

OFENSA AO PRINCÍPIO DA FINALIDADE. PRATICA DE ATO DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA QUE DESATENDA FIM PRESCRITO EM LEI.

O princípio da finalidade imprime à autoridade administrativa o dever de praticar o ato administrativo com vistas à realização da finalidade perseguida pela lei. O princípio da legalidade, por outro lado, é o que submete a Administração Pública a agir de acordo com o que a lei, tácita ou expressamente, determina. Logo, o administrador deve cumprir as finalidades legalmente estabelecidas para a sua conduta.

Na hipótese da prática de ato administrativo desviado do interesse público, haverá vício que enseja a nulidade deste – que poderá ser o desvio de poder ou o desvio de finalidade. Como observa Celso Antônio Bandeira de Mello, “quem desatende ao fim legal desatende à própria lei”.

Conforme o referido mestre esclarece, o princípio da finalidade encontra sua raiz constitucional no princípio da legalidade, no art. 37 da CRFB. Outra referência ao mesmo encontra-se no art. 5º, LXIX, CRFB, que prevê o mandado de segurança, cabível contra ilegalidade ou abuso de poder. O abuso de poder é o seu uso além dos limites, pois um dos limites desse poder é justamente a finalidade para o qual deveria ser utilizado.

A lei de improbidade administrativa prevê, ainda, que constitui ato de improbidade administrativa o que atenta contra os princípios da administração pública, seja qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente, conforme prevê o inciso I, praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.

Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, a lei de improbidade prevê que está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: na hipótese acima, o ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

São os princípios que informam a Constituição Federal ou é a Constituição Federal que forma os princípios?

1. São os princípios que informam a Constituição Federal ou é a Constituição Federal que forma os princípios?
Conforme esclarece o voto, os princípios da impessoalidade, eficiência, igualdade e moralidade estão previstos na Constituição Federal são, por exemplo, princípios republicanos que informam a Constituição Federal, pois os primeiros decorrem do último. Nesse sentido, o entendimento consolidado da doutrina e da jurisprudência.

Os princípios são fontes de Direito?

Os princípios são fontes de Direito pois, conforme esclarece o voto, a aplicação de determinados dispositivos não poderia se dar com desapego dos princípios veiculados no caput do art. 37 da CRFB. Nesse sentido, a doutrina sempre se posicionou, conforme é de se verificar nas lições dos professores Alexandre de Moraes, José Afonso da Silva e outros.
3. Os princípios originam deveres?

Os princípios originam deveres, sendo o voto esclarecedor desse ponto, ao observar que a Resolução nº 07/05 prevê restrições, ou seja, obrigações, deveres que também já estariam previstos na Constituição Federal, dedutíveis dos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. Dessa forma, esclarece o voto, o que era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais exemplificadamente positivado, isto é, que deverá igualmente ser observado, obedecido.

Como esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio jurídico é o “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. Canotilho e Vital Moreira, por sua vez, esclarecem que ao estarem positivados, transformam-se em normas-princípio e constituem princípios básicos da organização constitucional.

A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO E A GARANTIA ABSOLUTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOBRE O PARTICULAR.


O princípio da supremacia do interesse público é o principal princípio do Direito Administrativo, sendo seu alicerce juntamente com o princípio da indisponibilidade do interesse público, dos quais decorrem os outros princípios. Significa a sobreposição do interesse coletivo em face do interesse particular, o que é pressuposto para o convívio social. Não há previsão expressa para o princípio da supremacia do interesse público.
A supremacia não significa a sobreposição do aparelho ou da máquina estatal ou do interesse do administrador, é o interesse público que se sobrepõe ao interesse privado.

É importante observar, contudo, que o referido princípio vem sendo contestado pela doutrina administrativista e constitucionalista mais moderna, como os professores Daniel Sarmento e Juarez de Freitas.
Apontam esses autores que é preferível, sob todos os aspectos, cogitar em um princípio da tutela do interesse público, para explicitar o fato de que a Administração não deve perseguir os interesses privados dos governantes, mas sim os pertencentes à sociedade, nos termos em que definidos pela ordem jurídica (princípio da juridicidade). Dessa forma, a ação estatal conforme ao Direito não será aquela que promover de forma mais ampla o interesse público colimado, mas sim a que corresponder a uma ponderação adequada entre os interesses públicos e privados presentes em cada hipótese, realizada sob a égide do princípio da proporcionalidade.

Dessa forma, como observa o prof. Juarez de Freitas, é possível a conciliação entre o princípio da universalização do interesse público e da correlata subordinação das ações estatais à dignidade da pessoa humana.

O Estado sem o Direito Administrativo

Entendemos que, seja sob o ponto de vista sociológico, político, ou constitucional, não entendemos ser possível, no atual grau de desenvolvimento do Estado, que este possa ter dissociado de si o Direito Administrativo.

Conforme pudemos verificar, ao longo do estudo das “Noções sobre o Estado – Introdução ao Direito Administrativo”, nesse Módulo II, o Direito Administrativo funciona como um verdadeiro instrumento para a própria existência legítima e funcional do Estado.

Assim se dá, pois o Direito Administrativo permite a atuação do Estado como ente personalizado, exteriormente, nas relações internacionais; nas relações internas, como pessoa jurídica de direito público, bem como a do cidadão, de modo que este interaja com aquele, em uma troca dialética, em observância aos programas constitucionais sobre o Estado Democrático de Direito.

Nesse último aspecto, conforme vem se debatendo, o Estado encontra sua legitimidade, ao reconhecer ao cidadão seu valor, não apenas como sujeito de direitos, mas como um agente necessário e efetivo na construção do Estado. Assim, no Direito Administrativo brasileiro, várias normas vem sendo estabelecidas no sentido de efetivar o programa constitucional, instrumentalizando o cidadão para interagir com Estado e vice-versa, como a previsão da Lei de Processo Administrativo, que prevê as audiências públicas para a validade do ato.

Atuação do Direito Administrativo no dia-a-dia das pessoas

Entendemos que a análise da atuação do Direito Administrativo no dia-a-dia das pessoas está condicionada a uma variável inexorável: a conceituação do que vem a ser Direito Administrativo. Assim ocorre, pois de acordo com as premissas a partir da qual a reflexão venha a se construir, o resultado necessariamente variará. Não entendemos que um estudo - que se proponha a verificar “faticamente a atuação do Direito Administrativo na vida das pessoas” - possa ser defendido, sem prejuízos, quando é negada a necessária condicionante ideológica.

Desse modo, se partirmos da compreensão de que o Direito Administrativo é um conjunto de princípios e normas jurídicas que regem os órgãos, agentes, atividades públicas e relações com os particulares, na consecução do interesse público, em um Estado Democrático de Direito, onde a legitimação estatal está atrelada ao respeito dos fundamentos deste, acreditamos que a atuação será legítima, em um processo contínuo, na medida em que os cidadãos interajam como agentes efetivos, tendo sua dimensão política (cidadania) e humana reconhecida.

Por outro lado, se partirmos da compreensão conservadora – manutenção do conceito de ato administrativo como conceito central -, conforme ressaltado pelo prof. Robertônio Santos Pessoa em seu artigo, estaremos negando o valor das normas constitucionais no sentido da orientação democrática da atuação estatal, de modo que os cidadãos não sejam vistos como administrados, mas agentes necessários na construção do Estado Democrático de Direito.

Conceito de Direito Administrativo

O artigo destaca as diversas evoluções pelas quais o Direito Administrativo já passou, de modo que atualmente encontramos três correntes que tratam do seu objeto, quais sejam: conservadora – manutenção do conceito de ato administrativo como conceito central -, conciliatória – manutenção do ato administrativo apenas no que toca ao regulamento do exercício do poder de polícia -, e radical – que propõe a substituição do conceito clássico de ato administrativo por um novo conceito central, apto a unificar todos os setores da Administração Pública e da atuação administrativa.

Observa o professor que a finalidade do atendimento do interesse público não pode ser entendido isolada e absolutamente, razão pela qual há legitimidade na "postura dialética", de caráter não maniqueísta, de modo que as noções de "relação jurídica" e "procedimento administrativo" não são realidades ou conceitos incompatíveis ou mutuamente excludentes, havendo, isto sim, uma articulação de ambos, uma composição de uma perspectiva subjetivista com outra de caráter objetivista, fundamental ao equilíbrio perseguido pelo Direito Administrativo. Desse modo, o Direito Administrativo pode atingir suas finalidades de instrumentalização do particular perante a Administração, sendo um autônomo sujeito jurídico, um titular de direitos subjetivos, estabelecidos na Constituição e nas leis, e não um “administrado”. Desse modo, a atuação da Administração será legítima e em consonância com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Desse modo, podemos conceituar o Direito Administrativo como o conjunto de princípios e normas jurídicas que regem os órgãos, agentes, atividades públicas e relações com os particulares, na consecução do interesse público, em um Estado Democrático de Direito, onde a legitimação estatal está atrelada ao respeito dos fundamentos deste.

Estado Democrático de Direito II

A Constituição Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º, constitui-se em Estado Democrático de Direito. No entanto, considerando as características próprias deste modelo moderno, criado com intuito de fazer afirmar os direitos da pessoa humana, entendemos que, no Brasil, este é mera ficção, mas é também um objetivo que deve ser alcançado. O Estado Democrático de Direito pressupõe alguns elementos: a obediência à lei, como fonte reguladora das relações humanas; Estado fundado no princípio da soberania popular, com a participação efetiva e operante do povo na coisa pública; um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária, em que o poder emana do povo, devendo ser exercido em proveito deste, diretamente ou por seus representantes eleitos; democracia participativa e pluralista; liberação das formas de opressão que independam do reconhecimento formal de determinados direitos individuais, políticos e sociais, “mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício”, conforme leciona José Afonso da Silva, em seu “Curso de Direito Constitucional” (2003, p. 119-120).

Conforme é facilmente verificável, as análises realizadas por especialistas evidenciam por diversos ângulos que o Estado brasileiro está muito aquém do modelo em referência. A previsão constitucional, então, referente ao “Estado Democrático de Direito” pode, generosamente, ser interpretada como uma norma programática, uma vez que não vivemos ainda sob tal modelo, mas que este é a meta, o modelo escolhido pelo legislador constituinte e que, portanto, deve ser observado pela sociedade como um todo, e não apenas pelo poder público isoladamente, pois o “processo” a que se refere José Afonso da Silva e outros autores, como Habermas, pressupõe a participação de todos, como atores efetivos.

Estado Democrático de Direito

Conforme o Ministro Celso de Mello escreveu em seu voto, o Estado Democrático de Direito é regido pelo império das leis, constituindo fator de legitimação da atividade estatal a não transgressão ao estatuto constitucional.

No Estado Democrático de Direito não há poder absoluto, perfazendo, a Constituição Federal, nas palavras de Cooley, citado no voto, “regra absoluta de ações e decisão para todos os poderes públicos e para o povo”.
Desse modo, tratando-se a democracia de um governo de maiorias, as minorias devem encontrar proteção no ordenamento e no Judiciário, pois o Estado Democrático de Direito repele qualquer desrespeito aos direitos públicos subjetivos. O Judiciário, portanto, não é um representante da maioria, mas a “consciência jurídica nacional”. Pode-se dizer, portanto, que a própria Constituição possui um estatuto das minorias, constituído por prerrogativas de índole político-jurídica, através das quais poderão exercer seu direito de dissenção, crítica e veiculação de sua pregação. Afinal, como observa Geraldo Ataliba, citado no referido voto, o respeito à minoria gera compromissos contínuos na sociedade, que, por sua vez, desenvolvem meios de convivência política.

Conforme observa Habermas, em sua “Teoria do Agir Comunicativo”, a democracia necessita que todos os cidadãos sejam agentes efetivos, o que legitima o Estado a cada momento, em um movimento contínuo, impedindo a “ditadura da maioria”.

Há limite para a atuação do Estado na vida íntima das pessoas?

O papel do Estado e as suas diferentes formas de atuação, limites, dentre outros, têm sido objeto de debate e estudo há muito tempo, em diversos campos científicos. Dessa forma, a ciência jurídica também tem procurado analisar tais aspectos, não se omitindo quando ao limite da atuação estatal na vida íntima das pessoas.

A Constituição Federal de 1988, premissa maior de nosso ordenamento, no caput do art. 37, dispõe a necessária observância da Administração, seja direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, dentre os demais que passa a arrolar.

Desse modo, verifica-se que o Estado, em que pese a sua atuação necessária objetivando a observância da supremacia do interesse público, esta não é absoluta, não sendo permitido a este atuar em desrespeito à vida íntima das pessoas. O Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, inc. III da CRFB/88, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana – tratando-se, portanto, de direito indisponível. Nesse sentido, a lei Magna veda a tortura, o tratamento desumano ou degradante, estatui a liberdade de crença religiosa, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, incs. II, VI e X), dentre outros.
 
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